Bolsonaro e a violência dos homens que não sabem perder

As reações de Bolsonaro ao perder as eleições para Lula —primeiro a não reação, o silêncio de 44 horas que quebrou protocolos e regras mínimas de civilidade e respeito ao processo democrático, e então o discurso rápido e contrariado de um menino birrento— me faz pensar em todos os casos de violência doméstica, abusos e feminicídios que tenho acompanhado como jornalista ao longo de mais de 20 anos e como mulher ao longo da vida, cometidos por homens que simplesmente não aceitaram a derrota.

Sugiro um exercício: escreva no Google "inconformado com o fim do relacionamento, homem?". Na minha barra de pesquisa aparecem chamadas de matérias com "... marido mata a mulher a facadas", "homem invade casa de ex-namorada", "homem mantém jovem em cárcere privado", "ex-marido queima a esposa", "dispara contra". A lista segue por páginas e páginas.

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Se quem está lendo a coluna é mulher e se relaciona com homens cisgênero, nada disso é novidade para você, que certamente já teve medo da reação de um ex-companheiro ao rejeitá-lo. Eu já tive. Algumas vezes.

Me lembro de uma ocasião em que, ao recusar a proposta de um homem que me queria como sua propriedade, fui ameaçada, ofendida e perseguida por meses. Como assim eu ousava recusá-lo? Não ver "o quanto ele era especial"? Também já ouvi de amigos homens no auge de seu sofrimento e indignação que a decisão da companheira em pôr fim a um relacionamento era "injusta", "unilateral", "loucura", que elas precisavam ser chamadas à razão e que eles não aceitariam tal decisão.

E então surgem comportamentos ivo agressivos, chantagens emocionais que podem não envolver violência física mas trazem alta carga de violência emocional. O próprio Bolsonaro disse em 2021 que só aceitaria três opções para o futuro: ser preso, ser morto ou a vitória. Ou Hitler, que ao se ver derrotado, se matou.

A verdade é que o patriarcado não ensina os homens a perder. Ao contrário: os coloca em um trono de privilégios —sobretudo homens brancos, cisgênero, heterossexuais. Se estiverem em cargos de poder, se têm a caneta na mão, ou se vêm de famílias abastadas é ainda pior. Não há quem os pare. Basta pensarmos em tantos casos de redes de abusos e exploração sexual de meninas e mulheres sustentadas por homens ricos com a conivência da sociedade, ou em guerras e genocídios que se iniciam porque homens foram contrariados, tiveram seus egos feridos, não aceitaram derrotas.

Como o homem que se disse "imbrochável", que declarou que sua única filha mulher foi uma "fraquejada", que falou tantas vezes que preferia um filho morto a um filho gay, ou que se sentiu seguro o suficiente para dizer publicamente que "pintou um clima" com meninas de 14 anos, poderia aceitar de forma madura sua derrota nas urnas? É claro que não iria.

Enquanto o machismo estruturar nossa sociedade e mantiver os privilégios nas mãos de homens que não aceitam perder, enquanto a desigualdade de direitos entre homens e mulheres continuar abismal, enquanto não pararmos para pensar nessas questões com a complexidade que elas exigem, mulheres e meninas continuarão morrendo nas mãos de "homens indignados". E seguiremos nos relacionando, elegendo e dando poder a perigosos meninos mimados que não sabem perder.